Se tem um tema comum por aqui é a maternidade compulsória. Discuto os impactos e modos de funcionamento dela nas mídias sociais, na aba Conteúdo desse site, nas publicações científicas, na imprensa. E agora quero trazer, de forma mais detida, as consequências da maternidade compulsória dentro dos relacionamentos amorosos. Afinal, a cultura afetiva hegemônica e a ideologia maternalista caminham em paralelo, conforme exploro melhor na pesquisa de doutorado e no livro "Ser mãe é f*d@!": mulheres, (não) maternidade e mídias sociais.
A maternidade compulsória cria a expectativa social de que mulheres sejam maternais na relação com qualquer pessoa, especialmente as mais próximas. O que se estende a parceiros e parceiras amorosos.
É esperado que mães continuem amando e orientando seus filhos, por mais que tenham errado com elas e/ou com os outros. Do mesmo modo, se espera que mulheres permaneçam apaixonadas por seus parceiros e parceiras, zelosas com eles, apesar dos erros cometidos. Não raramente agressões e abusos desses companheiros são tratados como falhas da mulher, que “não soube educar o/a parceiro/a” dentro da relação.
Isso se vê mais claramente em relacionamentos heterossexuais, colocados enquanto norma afetiva. Neles, a mulher é a principal responsável pelo bem-estar do parceiro e do relacionamento. É sua obrigação “transformá-lo em alguém melhor”, “expandir seu potencial”, “guiá-lo com afeto e segurança”, bem como aturar as "birras" e "pirraças" do parceiro com compreensão e amor.
Nessa lógica, tal qual uma criança pequena, o homem não teria capacidade de administrar o relacionamento, entender suas nuances, dividir igualmente aquilo que é necessário para a relação funcionar. Cabe, portanto, à mulher encarnar o papel maternal de quem dá colo, dá bronca, dá rumo.
Se o homem infantilizado age de forma egocêntrica, a mulher maternizada age de modo altruísta, muitas vezes sacrificando suas necessidades e desejos pelo parceiro.
Virar a mãe de alguém dentro de um relacionamento traz uma responsabilização desproporcional pelo/a parceiro/a. Não à toa tantas mulheres têm dificuldade de romper com quem se coloca em posição de carência ou desamparo. Seria como abandonar uma pessoa que depende de seus cuidados.
O problema é que não estamos falando de uma criança pela qual essa mulher tem responsabilidade, mas de um adulto que deveria ser funcional. Um adulto que precisa corresponder aos esforços e às necessidades da parceira. Um adulto que deve arcar com as consequências de seus atos e inércias. Principalmente, um adulto com o qual ela não precisa ter ligação vitalícia.
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Confira aqui o post sobre a construção e permanência da ideia de que "mãe só tem uma" em formato compacto.
Os desdobramentos e consequências da maternidade compulsória são explorados no livro “Ser mãe é f*d@!”: mulheres, (não) maternidade e mídias sociais.