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Foto do escritorAna Luiza de Figueiredo Souza

Pobreza menstrual: o que é e quais suas consequências

Atualizado: 13 de jul. de 2023

No dia sete de outubro de 2021, por meio de decisão publicada no Diário Oficial da União, o presidente da república Jair Bolsonaro vetou os principais pontos do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual (14.214/21). Entre eles, a distribuição gratuita de absorventes higiênicos para:


a) Estudantes de baixa renda dos ensinos fundamental e médio matriculadas em escolas da rede pública de ensino.


b) Mulheres em situação de vulnerabilidade social extrema ou em situação de rua.


c) Mulheres encarceradas em unidades do sistema penal.


d) Internas de unidades para cumprimento de medida socioeducativa.


A lei é fruto do projeto 4968/19, de autoria da deputada Marília Arraes (PT-PE), aprovado em agosto pela Câmara dos Deputados e em setembro pelo Senado Federal. Com a retirada da distribuição gratuita de absorventes higiênicos, o texto restante obriga o poder público apenas a promover campanha informativa sobre a saúde menstrual e suas consequências para a saúde da mulher. A norma prevê que o programa seja implementado "de forma integrada entre todos os entes federados, mediante atuação, em especial, das áreas de saúde, de assistência social, de educação e de segurança pública" (Agência Câmara de Notícias, sete de outubro de 2021).


O veto agrava o que tem sido chamado por pesquisadores e pela Unicef de pobreza menstrual. Também conhecida como precariedade menstrual, é a situação de meninas, mulheres e pessoas com útero que, devido à falta de acesso a recursos financeiros, infraestrutura e/ou conhecimento sobre o próprio corpo, não têm as condições necessárias para cuidarem de sua menstruação.


Isso gera impactos na educação e no mercado de trabalho. O Levantamento Nacional Inédito entrevistou adolescentes e mulheres entre 16 a 29 anos em todo o Brasil para recolher informações sobre como os ciclos menstruais são conduzidos no país. Segundo a antropóloga Mirian Goldemberg, coordenadora da pesquisa, uma em cada quatro jovens brasileiras já faltou aula por não ter dinheiro para comprar absorvente. A busca por emprego também se torna mais difícil nessas condições.


Na falta de absorventes ou coletores, muitas mulheres usam jornal, miolo de pão ou pedaços de plástico para conter o fluxo menstrual. Conforme revela o trabalho da jornalista Nana Queiroz, a prática é comum em presídios, nos quais os kits de higiene pessoal distribuídos entre as mulheres encarceradas é o mesmo enviado aos homens, ou seja, não leva em consideração diferenças entre as necessidades dos corpos feminino e masculino.


O corpo masculino cisgênero é a referência usada não apenas no sistema carcerário brasileiro, mas na própria elaboração de leis e espaços destinados a corpos diferentes desse modelo. Vide os banheiros públicos femininos, que, em geral, não possuem características que seriam importantes para as mulheres que o utilizam: papel higiênico, suporte para pendurar bolsas, lenços umedecidos, espaço na cabine para permitir a troca de absorventes e a melhor movimentação de crianças e cuidadoras dentro dela (afinal, geralmente são mulheres que se ocupam do cuidado dos infantes). A estrutura precária dos banheiros públicos apareceu enquanto obstáculo entre as respostas à enquete O que você já deixou de fazer por ser mulher?, promovida em março de 2021.


O improviso de materiais para substituir o absorvente pode causar infecções e até mesmo afetar a fertilidade de quem os utiliza, por soltarem fibras ou pedaços em uma região delicada. A pandemia de COVID-19 piora essa precariedade. Por um lado, as restrições econômicas impostas a muitos brasileiros impede que sobre dinheiro para a compra de absorventes e derivados. Por outro, com a suspensão das aulas presenciais, muitas jovens perderam acesso aos absorventes distribuídos nas escolas em que são alunas. Diferentes pesquisas mostram que os impactos da pandemia sobre as mulheres acabam sendo mais severos do que com os homens.


Sintoma de profundas desigualdades sociais, a pobreza menstrual vai além da falta de dinheiro para comprar absorventes ou coletores. Afeta meninas e mulheres que não têm banheiro, água corrente, vaso sanitário, sabonete, entre tantos outros requisitos básicos para uma qualidade de vida minimamente saudável. É sustentada por práticas e estruturas que enxergam o que se relaciona ao corpo feminino (no caso, o útero) como insignificante, algo que não mereceria atenção da esfera pública e da vida política. Isso se reflete tanto na gestão pública quanto em comportamentos que constrangem e segregam quem menstrua. De acordo Astrid Bant, representante do UNFPA no Brasil:


A experiência de menstruar tem sido algo difícil para muitas pessoas que menstruam, seja pela falta de insumos, como absorventes, seja pelas condições estruturais, como água e banheiro. Na enquete, ouvimos pessoas que, na falta de recursos mínimos, relataram uso de fralda, pano e até sabugo de milho no período menstrual. Isso tem um impacto profundo no direito de ir e vir, na construção de autoestima e confiança corporal, e na dignidade de pessoas que menstruam.


Processo que também passa pelas instituições de ensino. Para Florence Bauer, representante do UNICEF no Brasil:


A dignidade menstrual é um direito de cada adolescente e jovem que menstrua. É essencial retirar o tabu em relação ao tema. As escolas têm um papel fundamental nesse processo. Cabe a elas acolher todas as pessoas que menstruam, e contribuir para transformar o ambiente escolar em um espaço acolhedor, sem bullying, e que respeite a todas e todos.


Enquanto parlamentares especialmente a bancada feminina na Câmara dos Deputados buscam a derrubada do veto pelo Congresso Nacional, podemos pensar medidas que poderiam complementar o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual. Por exemplo, estender a distribuição desses kits a outras pessoas que menstruam e/ou acrescentar analgésicos e materiais relacionados tanto aos transtornos provocados pelas cólicas quanto à higiene íntima.


Acima de tudo, devemos refletir: a quem interessa atacar os corpos que menstruam?


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