Chamar uma mulher de multitarefas parte de uma premissa verdadeira. De acordo com diferentes estudos realizados em diversos países, mulheres, em sua maioria, manejam uma série de responsabilidades e demandas ao mesmo tempo.
Todavia, isso acontece porque são cobradas a agir assim. São ensinadas, desde cedo, que essa é sua função — o que se relaciona com o modo como se dá a socialização feminina que, entre outros efeitos, coloca o cuidado enquanto responsabilidade maior (muitas vezes, exclusiva) das mulheres, seja no lar, seja fora de casa. Fenômeno profundamente atrelada à maternidade compulsória, à normatividade materna e às expectativas sociais que se têm com mulheres em geral.
Chamo de mulher-polvo a mulher que transforma cada extensão de seu corpo em tentáculos, com os quais administra desde compromissos até o lazer. Muitas vezes essa mulher-polvo, que precisa abraçar tudo e todos, é resultado das desigualdades que a obrigam a lidar com as obrigações que os homens ao seu redor não assumem.
O problema está em naturalizar essas dinâmicas, como se acontecessem porque esse seria o funcionamento natural das mulheres, biologicamente projetadas para darem conta de diferentes atividades pelo bem daqueles que desejam proteger.
Tal naturalização banaliza a imagem da mulher que dá conta de tudo, que não se cansa, que não reclama. Transforma essa idealização na expectativa que se tem de todas as mulheres, independentemente de suas características particulares e distintivas. Pior, a torna uma espécie de mérito, que recebe validação enquanto mascara desigualdades.
É o caso, por exemplo, do colega de trabalho que não faz o serviço direito e conta com a única mulher no escritório para a checagem, quando essa não é a função dela. Ou do companheiro que não faz nada em casa e diz que tem a melhor namorada/esposa do mundo, já que ela arruma sua bagunça.
“Mulheres são guerreiras”, dizem, na tentativa de elogio. Guerreiras lutam. Guerreiras não se abalam. Guerreiras dão um jeito de seguir adiante. Quem não age dessa forma corre o risco de ser diminuída, encarada como “menos mulher”, rotulada de fresca, inútil, insuficiente. Rótulos que nós mesmas nos colocamos, tantas vezes.
A divisão das responsabilidades de modo que mulheres não terminem sobrecarregadas é um dos caminhos para: a) conquistar maior qualidade de vida no âmbito individual; b) combater práticas e estruturas que oprimem mulheres; c) construir uma sociedade mais justa, entre outros desdobramentos profícuos.
Ser mulher não obriga alguém a dar conta de absolutamente tudo. Muito menos a assumir mais tarefas do que os homens ao seu redor.
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Essa e outras temáticas são melhor exploradas no livro “Ser mãe é f*d@!”: mulheres, (não) maternidade e mídias sociais, além de integrarem minha atual pesquisa de doutorado.