O medo da solidão é colocado nas mulheres desde cedo. Muitas de nós se sujeitam a situações abusivas ou frustrantes para não terminarem “sem ninguém”. Por "sem ninguém", leia-se: sem um/a parceiro/a amoroso/a.
Apesar de ter sofrido modificações — em boa parte devido às lutas femininas (e feministas) —, a ideia de que mulheres precisam conseguir (e manter) um par romântico para terem (maior) valor permanece.
Estar fora de algum tipo de relacionamento costuma provocar comentários como: “O que há de errado com ela?”. Mesmo que a mulher em questão esteja até mais satisfeita (e saudável) do que quando estava acompanhada.
Além disso, tais comentários depositam na mulher toda a culpa por não estar em um relacionamento amoroso. Fatores como contexto(s), círculos sociais, perfil dos possíveis pares, foco em outras atividades, eventuais complicações. Nada disso interessa.
Do mesmo modo, uma vez em um relacionamento, se espera que seja ela a principal responsável por fazer a relação funcionar. Afinal, parte-se do princípio de que a mulher necessita dele.
Assim, a busca por e/ou a manutenção de relacionamentos é colocada como algo que deve ser uma das prioridades femininas. Não faltam produtos, serviços e conteúdos voltados para esse fim.
Trazendo a perspectiva racial para o debate, o fato de uma mulher negra, indígena ou não branca estar "sozinha" é encarado com menos espanto, no sentido de ser algo mais "esperado". O imaginário coletivo em geral as vê como "menos ideais" para serem "assumidas" em um relacionamento sério. Dito isso, o medo de "ficar sozinha" é uma ameaça em si mesma, feita a todas as mulheres. Bem como a ideia de que "precisam de alguém". Por consequência, isso as impele a procurar parceiros/as. A perversidade do racismo é que se entende que mulheres negras (e não brancas em geral) precisam e devem ter relacionamentos amorosos, mas não deveriam esperar serem plenamente correspondidas nos afetos.
O medo da solidão (que é diferente da solitude) é inclusive parte importante dos mecanismos para pressionar mulheres a terem filhos. A lógica por trás dessa ideia é tão simples quanto enviesada: Caso não consigam “prender um/a parceiro/a”, pelo menos têm esse laço vitalício “garantido” com os filhos. Torna-se, assim, parte do mecanismo de manutenção da maternidade compulsória.
O problema não é desejar um envolvimento amoroso, mas achar que você falhou enquanto ser humano caso não alcance esse objetivo, estando disposta a colocar a sua saúde, estabilidade e mesmo a sua vida em perigo por isso.
Você não está sozinha por não ter um/a companheiro/a amoroso/a. Tem família, amigos, colegas de trabalho, vizinhos, redes de contato, seus sonhos, suas metas. No mínimo, conforme canta Nina Simone em Ain’t Got No / I Got Life, você tem cada uma das partes do seu corpo, sua mente e sua própria vida para usar a seu favor.
Trouxe aqui uma breve reflexão sobre esse medo que colocam nas mulheres desde cedo e que, muitas vezes, nos faz medir nosso próprio valor com base nos relacionamentos amorosos que tivemos ou deixamos de ter. Nenhuma mulher é melhor ou pior do que outra por causa desse tipo de relacionamento. Parece algo dado, mas entender seu valor em si mesma é um processo diário de desconstrução de crenças que existem para nos amedrontar e diminuir. Você já percebeu o medo de “ficar sozinha” rondando as mulheres à sua volta?
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Confira aqui o post sobre o medo de ficar sozinha imposto pelo patriarcado branco em formato compacto.
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