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Foto do escritorAna Luiza de Figueiredo Souza

Afinal, o que é a não maternidade?

Atualizado: 13 de set. de 2022


Essa é uma das perguntas que busco responder na pesquisa de doutorado. Algumas reflexões sobre a não maternidade (enquanto conceito e vivência) já foram trabalhadas na dissertação, no livro nela baseado e nos artigos que venho produzindo ao longo dos últimos anos. Todavia, existem muitas camadas a serem exploradas nessa discussão.


À princípio, a resposta reducionista parece tentadora: não maternidade é tudo que não é maternidade. Ou ainda: ela é o oposto da maternidade. Mas ao investigar como elementos maternos e não maternos se misturam na vida cotidiana de tantas mulheres — com ou sem filhos —, fica claro que essa divisão é bem mais complexa do que aparenta.


Conforme defendo desde a dissertação, a maternidade e a não maternidade são partes constitutivas da identidade das mulheres. O próprio debater a maternidade é, de muitas formas, a elas imposto. Toda mãe já foi não mãe. E toda não mãe possui vivência materna, ou seja, um conjunto de referências sobre a maternidade que ela adquire ao longo da vida. Esse conjunto ajuda as mulheres a estabelecerem o lugar reservado à maternidade dentro de seu planejamento pessoal e, também, a forma como a enxergam em termos coletivos. A comparação com e entre os espectros de “mãe” e “não mãe” é constante no processo de produção subjetiva feminino, desde a infância. Ser ou não ser mãe constitui um marcador identitário importante no cotidiano social das mulheres. Em várias ocasiões, decisivo. Enquanto a relação dos homens com a paternidade, em geral, não segue esse modelo.


A maternidade representa o padrão hegemônico (o que não significa que seja homogênea nem simples) e uma das principais referências no que se entende por identidade feminina. Isso faz com que a maternidade seja socialmente valorizada e possua aprovação social. Boa parte do que significa ser mulher em diferentes culturas se relaciona a ser mãe ou se comportar de modo maternal. Dizemos “solteirice” em vez de “não casamento”, por entendermos que são vivências que, embora dialoguem entre si, possuem dinâmicas próprias. Consequentemente, falamos “solteira” em vez de “não casada”. A não maternidade, por sua vez, constitui uma vivência cuja denominação deriva da vivência normativa, a maternidade. Nesse sentido, pode ser encarada como disruptiva, por se encontrar fora das normas de sociedades pronatalistas, que estimulam o nascimento de crianças e a formação de famílias nucleares.


Até o momento, a pesquisa de doutorado não encontrou termos para se referir àquelas que não são mães que não imprimam conotação de falta ou perda. A alternativa que menos se aproximaria desse significado é o termo voluntary childlessness, pouco difundido em território nacional. Outra possibilidade é o termo childfree, que vem sendo problematizado em vários países, incluindo o Brasil. Isso denota que centenas de sociedades, no mundo todo, aceitam e esperam que mulheres tenham filhos, mas são incapazes de conceber, mesmo conceitualmente, que não o façam.


Não mães voluntárias — que escolhem não ter filhos — e não mães involuntárias — que gostariam de ter sido mães, mas, por algum motivo, não conseguiram — são plurais, complexas, com diferentes posicionamentos. Frequentemente estereotipadas como frias, viciadas em trabalho ou egoístas, essas mulheres precisam ser encaradas em toda a sua variedade de experiências, motivações e lugares sociais. É esse um dos empenhos da pesquisa de doutorado: dar conta, teórica e empiricamente, do vasto universo das não mães, ainda tão pouco investigado.


Vale lembrar que o entendimento das vivências de casamento e solteirice de forma independente foi resultado de várias lutas sociais femininas, na macro e micro esferas. Por meio delas, as mulheres construíram a possibilidade de serem encaradas de forma mais ampla do que como pessoas que precisariam de aliança no dedo para terem valor. Assim, quanto mais mulheres discutirem e/ou vivenciarem a não maternidade, compartilhando e debatendo os aspectos que a constituem, maiores as chances de o vínculo com o termo referente à vivência normativa (maternidade) ser rompido. Ainda que ambas permaneçam partes integrantes do mesmo todo: a vivência feminina.


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Gostou desse artigo? Acompanhe o Nota de rodapé para publicações semelhantes.


Confira aqui o post sobre não maternidade em formato compacto.


Essa e outras temáticas são melhor exploradas no livro Ser mãe é f*d@!”: mulheres, (não) maternidade e mídias sociais.

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